Este texto, foi escrito em 2000,durante uma visita feita a um casal, que usava como moradia um forno de olaria. Foi publicado no jornal VS, e tive mais de duzentos pedidos de cópias solicitados. Aproxima-se o Natal, uma época de reflexões. Uma razão, para publicá-lo novamente.
Uma Escada para o
céu
O ambiente escuro e úmido onde me encontrava seria o palco ideal para que ali
fosse encenada uma peça, desde que o texto falasse sobre a miséria. Os artistas
estão em cena, crianças famintas, todas em volta de um caixote, onde foi
esfarelado um resto de bolachas. A única refeição do dia.O cheiro de mofo é
insuportável.Tento erguer a cabeça para buscar o ar que falta e deparo com o
telhado negro de fuligem.Vislumbro o causador de toda aquela estranha pintura,
uma lata vazia de conserva com um furo faz-se de lâmpada e com sua luz amarela
e bruxuleante ilumina o pobre cenário. A poucos passos dali, noutro cômodo da
casa, a mãe observa o recém-nascido que dorme um sono de anjo sobre a cama de
casal. Sou convidado a entrar, e fico de boca aberta com a cena: No meio de
toda aquela pobreza, de toda aquela falta de alimentos e de roupas limpas, um
bebê que parece ter saído de um clássico de TV. Linda, saudável e eu não tenho
dúvidas em afirmar, naquele momento mil anjos estavam ao seu redor, pois apesar
de toda aquela humildade (a cena destoava de tudo o que eu vira anteriormente)
ele dormia tranqüilo e sereno.Resolvo ir saindo, na cozinha o cardápio já foi
encerrado e meus pequenos atores já estão se recolhendo para o sono da noite dou
uma olhada para dentro de um pequeno espaço escuro de onde se ouve uma voz
acalmando alguém. Ali estão recolhidos os que compartilhavam a mesa, amontoados
sobre um velho estrado de cama dividindo também a miséria de não ter onde
dormir. Agora o carro começa a percorrer o caminho de volta, a minha frente as
luzes da cidade contrastam com a escuridão da qual vou me afastando lentamente.
Olho para traz e vejo a luz do candeeiro iluminando o casebre. Sinto um nó na
garganta. Uma vontade voltar lá e pedir perdão àquela gente. Perdão por não
poder fazer nada alem de escrever, de levar de vez em quando uma sacola de
alimentos, umas roupas velhas. Perdão em nome de todas as pessoas que sabem
destes problemas e não movem um dedo para poder resolvê-los, em nome de todos
aqueles políticos cuja ajuda só aparece de quatro em quatro anos - não para
ajudar, mas para buscar ajuda para se elegerem, ocupar cargos e sumirem pelas
luzes da cidade.Eu não consigo entender. Se existem pessoas que são pagas para
pensar em soluções, resolver problemas e aliviar estas questões sociais, por
que tanto roubo, por que tantos desvios? Será que na hora de transarem estas
ladroagens esta gente ignora que tem brasileiro morrendo na fila do SUS? Que
existem crianças morrendo de fome e frio? Que tem brasileiros se alimentando de
lixo?Fica muito difícil falar ou escrever sobre um tema desta natureza sem que
se sinta na obrigação de bater forte na cara dos responsáveis por toda esta
falta de respeito ao povo.
Enquanto
uns poucos vivem o céu aqui na terra, muitos brasileirinhos, no meio de suas
tralhas, a luz de um candeeiro e dormindo amontoados como animais constroem bem
devagarzinho, uma escada para o céu.
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