quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Condenei um inocente

Condenei um inocente.
* Jaí strapazzom

Meu filho tinha sete anos de idade quando ganhou de sua madrinha, um filhote de cardeal. Comprou-o de um criador cujo passatempo é a reprodução em cativeiro de várias espécies de pássaros. Na sua chegada foi colocado numa gaiola nova, bonita, onde nunca lhe faltou comida, nem água, muito menos um pote com água para o seu tradicional banho.
De começo, pareceu um pouco triste, mas com o passar do tempo, foi se acostumando, com sua nova morada, com as pessoas da casa, e passou a cantar, bem, eu não tenho muita certeza de que aquele som emitido seja lá uma música, um assovio estridente, cheio de marolas enfim é um som bonito, se bem que meio triste.
Todas as manhãs a mesma rotina, trocar as folhas de jornal que forram sua casa, colocar novos alimentos, e trocar a água do banho. Não esquecer de alguns pedaços de frutas, laranja, pepino, radite, folhas de couve, banana, e o tradicional alpiste, com bastante sementes de girassol.
Meu filho, hoje tem vinte e três anos, e o cardeal continua em sua gaiola, e hoje ao executar a mesma rotina de sempre, ao alimenta-lo senti vergonha de mim mesmo, ele é muito manso, e de seu poleiro ficou me olhando com sua soberba crista vermelha, asas pretas, e peito branco, parado, estático como a perguntar, por que afinal está preso?Já se passaram dezesseis anos, e ele continua ali, mesmo com todas as regalias, comida, banho e segurança, mas, preso.
E eu, ali na hora, representava o seu juiz. Fui eu que o sentenciei aquela vida, e por quê? Só pelo fato de querer a sua beleza para o meu filho, então o fato de ser um pássaro exótico, bonito, de um cantar um tanto quanto estranho serviu de motivo para que eu, dito, ser inteligente e possuidor de sentimentos, o trancafiasse numa prisão?Que espécie de juiz é este, afinal não sou o mesmo cara que sempre apregoou que em liberdade qualquer abrigo por mais humilde que seja, é mil vezes melhor do que a mais suntuosa mansão onde sejamos prisioneiros?
Tive vontade de “esquecer” a porta da gaiola aberta e dar-lhe a liberdade, permitir que respirasse sem grades, voasse sobre o arvoredo, experimentasse o calor do sol sobre o seu corpo, cantasse sobre os galhos do frondoso ingazeiro e gritar para que todos os vizinhos ouvissem, que o cardeal agora era livre, que o mesmo juiz imbecil que o privara de sua liberdade havia sido tocado no velho coração safenado e decidira pela sua soltura, muito embora só agora.
Mas, o que será que aconteceria com ele? Não fora preparado para buscar o alimento, não estava preparado para enfrentar as intempéries, os caçadores, os predadores e com certeza não sobreviveria por muito tempo. Neste caso eu não o teria libertado, ao contrário condenado a uma pena mais cruel ainda, a morte.
Que ironia do destino, apenas um olhar triste do Chico (seu nome), me induzira a uma reflexão, que até então não me ocorrera, e esta agora, punha-me num dilema cruciante, liberta-lo e permitir que viva o resto de seus dias, junto a natureza, mesmo com toda a sua falta de treino, ou, esperar para ver qual de nos dois se liberta primeiro de sua prisão, ele de sua gaiola, e eu do peso da culpa de haver condenado um inocente.


*Técnico em segurança

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