sábado, 19 de abril de 2014

Doce ingenuidade 1


As caixas de papelão invariavelmente eram confeccionadas por nós mesmos nos dias que antecediam a páscoa. Meu pai trazia da fábrica de papel alguns pedaços de papelão bruto, os quais eram recortados dando formas ao que hoje seria uma caixa de sapatos. Restos de folhas de celofane e papel crepom ajudavam a dar uma enfeitada naquele rústico ninho que seria colocado a disposição do coelhinho da páscoa. Por aqueles dias, saíamos cedo pela beira do Rio dos Sinos a buscar, junto aos galhos dos ingazeiros as “barbas de pau” que serviriam para afofar o ninho. Quando não encontrávamos mais, então a solução era cortar papel bem picadinho e assim dar o acabamento. Ara cobria as imperfeições do papelão bruto costumávamos cortar tirinhas de papel crepom fazendo uma espécie de renda, com a qual cobríamos toda a volta. Depois, tudo pronto era só colocar debaixo da cama e esperar que o coelhinho resolvesse nos fazer uma visita. Que ansiedade, quanta expectativa quanto a visita deste ser tão caridoso, que fazia questão de agradar as crianças, deixando ovinhos, balas, doces,e guloseimas. Menor não era a alegria, a satisfação de ao acordar, dar de cara com o ninho cheio. Saíamos a rua para mostrar aos outros meninos da vizinhança o que havíamos ganhado; - Olha aqui, um coelho de chocolate, veja que ovo grande, sabe, ele é recheado com balas e bom bons. – Meu ninho é maior do que o teu, olha, tenho muito mais balas e ovos. A farra era grande. A alegria de ter recebido a visita do coelhinho era tão grande que as diferenças entre os presentes recebidos, passavam despercebidas. Ali na rua da antiga fábrica de papel do Justo, havia a olaria dos Dauth. No inverno havia algumas pessoas que costumavam dormir dentro dos fornos depois de retirados os tijolos, ficava um clima bom, aquecido, pois como eram bem revestidos de barro custavam a resfriar. Ali morava uma família, cujo filho, havíamos apelidado de Kaputz. Magrinho, cabelo loiro, olhos azuis, bem mais alto do que os outros meninos, tímido, quase não se misturavam com a gente. Costumava ficar de cócoras assistindo as brincadeiras, de quando em vez dando um sorriso amarelo. Eram muito pobres e estes, o coelhinho não havia visitado. Apesar de tímido e de pouca conversa, o Kaputz era parte dos companheiros de pescaria de lambaris e outras brincadeiras, resolvemos então que não ficaria sem suas páscoas. Cada um recolheu algumas balas e bom bons, juntamos tudo num ninho doado por outro menino e assim ele também poderia participar da festa de páscoa dos meninos da beira do rio.


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