terça-feira, 4 de dezembro de 2012






Este texto, foi escrito em 2000,durante uma visita feita a um casal, que usava como moradia um forno de olaria. Foi publicado no jornal VS, e tive mais de duzentos pedidos de cópias solicitados. Aproxima-se o Natal, uma época de reflexões. Uma razão, para publicá-lo novamente.


Uma Escada para o céu

O ambiente escuro e úmido onde me encontrava seria o palco ideal para que ali fosse encenada uma peça, desde que o texto falasse sobre a miséria. Os artistas estão em cena, crianças famintas, todas em volta de um caixote, onde foi esfarelado um resto de bolachas. A única refeição do dia.O cheiro de mofo é insuportável.Tento erguer a cabeça para buscar o ar que falta e deparo com o telhado negro de fuligem.Vislumbro o causador de toda aquela estranha pintura, uma lata vazia de conserva com um furo faz-se de lâmpada e com sua luz amarela e bruxuleante ilumina o pobre cenário. A poucos passos dali, noutro cômodo da casa, a mãe observa o recém-nascido que dorme um sono de anjo sobre a cama de casal. Sou convidado a entrar, e fico de boca aberta com a cena: No meio de toda aquela pobreza, de toda aquela falta de alimentos e de roupas limpas, um bebê que parece ter saído de um clássico de TV. Linda, saudável e eu não tenho dúvidas em afirmar, naquele momento mil anjos estavam ao seu redor, pois apesar de toda aquela humildade (a cena destoava de tudo o que eu vira anteriormente) ele dormia tranqüilo e sereno.Resolvo ir saindo, na cozinha o cardápio já foi encerrado e meus pequenos atores já estão se recolhendo para o sono da noite dou uma olhada para dentro de um pequeno espaço escuro de onde se ouve uma voz acalmando alguém. Ali estão recolhidos os que compartilhavam a mesa, amontoados sobre um velho estrado de cama dividindo também a miséria de não ter onde dormir. Agora o carro começa a percorrer o caminho de volta, a minha frente as luzes da cidade contrastam com a escuridão da qual vou me afastando lentamente. Olho para traz e vejo a luz do candeeiro iluminando o casebre. Sinto um nó na garganta. Uma vontade voltar lá e pedir perdão àquela gente. Perdão por não poder fazer nada alem de escrever, de levar de vez em quando uma sacola de alimentos, umas roupas velhas. Perdão em nome de todas as pessoas que sabem destes problemas e não movem um dedo para poder resolvê-los, em nome de todos aqueles políticos cuja ajuda só aparece de quatro em quatro anos - não para ajudar, mas para buscar ajuda para se elegerem, ocupar cargos e sumirem pelas luzes da cidade.Eu não consigo entender. Se existem pessoas que são pagas para pensar em soluções, resolver problemas e aliviar estas questões sociais, por que tanto roubo, por que tantos desvios? Será que na hora de transarem estas ladroagens esta gente ignora que tem brasileiro morrendo na fila do SUS? Que existem crianças morrendo de fome e frio? Que tem brasileiros se alimentando de lixo?Fica muito difícil falar ou escrever sobre um tema desta natureza sem que se sinta na obrigação de bater forte na cara dos responsáveis por toda esta falta de respeito ao povo.
                                               Enquanto uns poucos vivem o céu aqui na terra, muitos brasileirinhos, no meio de suas tralhas, a luz de um candeeiro e dormindo amontoados como animais constroem bem devagarzinho, uma escada para o céu.

                                                                      
                                                                       

Nenhum comentário: