O grande portão de ferro
abriu-se lentamente, o guarda sorriu atencioso, e entregou o crachá para
Fernando. Este, foi dirigindo pela alameda cheia de canteiros com flores,e
grandes árvores que margeavam o caminho. Por fim chegou em frente a uma
escadaria, de pedras, e proteções laterais de madeira, foi subindo e a medida
que os degraus terminavam uma angústia muito forte lhe oprimia o peito. À porta,
uma senhora de cabelos grisalhos e sorriso meigo lhe deu as boas vindas e
orientou seus passos até a pequena sala, onde já o aguardavam um médico e uma
enfermeira. No leito, um corpo frágil, e miúdo repousava. Rosto muito branco,
sereno, os olhos cerrados e nos lábios parecia esboçar um leve e delicado
sorriso. Um soluço, uma lágrima e a triste constatação, sua mãe estava morta.
Chegava ao fim uma historia de muito amor e dedicação daquela velha senhora,
foram noventa e seis anos vividos mais para servir aos outros do que
propriamente ser servida nem mesmo pelos próprios filhos. Apesar da idade era
uma pessoas de boa saúde,costumava ela mesmo fazer todas as lides de seu
pequeno mundo ali naquela casa onde os filhos a haviam confinado.
Seu verdadeiro
lar havia ficado para filhos,noras,netos que costumavam perder mais tempo
disputando as poucas coisas que ainda restavam, os pertences da mãe. Nunca
tinham tempo para ela, interná-la fora a melhor solução encontrada, não queriam
mais aquela velha senhora com suas dores, suas dificuldades para andar,tomar
banho, alimentar-se. Não podiam sair, não podiam festejar. A mãe agora era um
estorvo, por isto haviam-na internado num asilo. O lugar era muito bonito, flores,
jardins,pessoas que lhe dedicavam todas as atenções, tinha médico, remédios,
comida boa, roupa de cama limpa, até alguns amigos havia conseguido fazer.Mas,
não se sentia feliz, aquela casa não a sua casa,gostava de suas tralhas,suas
velhas panelas,seu fogão onde tantas vezes cozinhara para um verdadeiro batalhão de
convidados. Queria tanto ter ficado entre a algazarra dos netos, muitas das
vezes sendo motivo de piadas e brincadeiras, ela se sentia feliz, era a vovó
querida e brincalhona. Nunca entendeu o porquê de ser retirada de sua casa e
confinada num lugar distante, sem nenhuma visita, esquecida. Às vezes, à noite,
costumava ficar a janela do quarto olhando para o infinito, tentando adivinhar
o lugar onde morava.
Ficava imaginando caminhar pela rua, ouvindo o barulho das
ruas, sendo cumprimentada pelos vizinhos e amigos. Quando por fim o sono a
obrigava, deitava-se e punha-se a rezar, pedindo a proteção a cada um de seus
filhos, noras e netos. Em vão esperou pela visita de um filho, de um parente.
Costumava, todos os dias perguntar para as enfermeiras se havia alguma visita
para si, e a resposta era sempre a mesma: não, hoje ainda não apareceu ninguém.
Fernando não tinha coragem sequer de levantar os olhos, e encarar o médico. O
corpo todo parecia pesar toneladas, o peso do remorso, da vergonha de haver
feito tudo daquela maneira, lhe dois muito. De que adiantaria agora chorar? Debater-se?
Sua mãe já não estava mais ali, aquela doce velhinha que lhe acariciou tantas
vezes o cabelo havia partido para nunca mais. Ali, ao pé da cama, junto aquela
figura,aquele corpo inerte um filme começou a passar pela cabeça, viu-se ainda menino,
adolescente, formando-se,casando-se, batizando os filhos e sempre , em todas as
cenas lá estava a presença da mãe.
E, justamente quando era ela que mais pedia
a presença de algum dos seus filhos para matar a saudade viravam-lhe as costas,
quando mais carecia de uma mão amiga que lhe acariciasse os fios de cabelos
brancos todos lhe haviam abandonado. O choro agora era compulsivo, não queria
consolo, queria chorar, precisava botar para fora toda aquela vergonha pelo
tratamento dado a mãe. Como gostaria de que tudo fosse uma mentira,queria
voltar atrás, anular as vaidades,a falta de amor,o descaso. Mas, agora era
tarde ali a sua frente jazia apenas um corpo inerte, ainda que com um leve
sorriso nos lábios. Com certeza, ela agora via-se diante de alguém que lhe
estendia carinhosamente as mãos.
Um pai e uma mãe podem criar dez filhos. Porém, dificilmente dez filhos não consigam entender um pai e uma mãe. Reflita sobre isto, porque depois que eles partem, é para nunca mais.
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