terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O asilo.



O grande portão de ferro abriu-se lentamente, o guarda sorriu atencioso, e entregou o crachá para Fernando. Este, foi dirigindo pela alameda cheia de canteiros com flores,e grandes árvores que margeavam o caminho. Por fim chegou em frente a uma escadaria, de pedras, e proteções laterais de madeira, foi subindo e a medida que os degraus terminavam uma angústia muito forte lhe oprimia o peito. À porta, uma senhora de cabelos grisalhos e sorriso meigo lhe deu as boas vindas e orientou seus passos até a pequena sala, onde já o aguardavam um médico e uma enfermeira. No leito, um corpo frágil, e miúdo repousava. Rosto muito branco, sereno, os olhos cerrados e nos lábios parecia esboçar um leve e delicado sorriso. Um soluço, uma lágrima e a triste constatação, sua mãe estava morta. Chegava ao fim uma historia de muito amor e dedicação daquela velha senhora, foram noventa e seis anos vividos mais para servir aos outros do que propriamente ser servida nem mesmo pelos próprios filhos. Apesar da idade era uma pessoas de boa saúde,costumava ela mesmo fazer todas as lides de seu pequeno mundo ali naquela casa onde os filhos a haviam confinado. 

Seu verdadeiro lar havia ficado para filhos,noras,netos que costumavam perder mais tempo disputando as poucas coisas que ainda restavam, os pertences da mãe. Nunca tinham tempo para ela, interná-la fora a melhor solução encontrada, não queriam mais aquela velha senhora com suas dores, suas dificuldades para andar,tomar banho, alimentar-se. Não podiam sair, não podiam festejar. A mãe agora era um estorvo, por isto haviam-na internado num asilo. O lugar era muito bonito, flores, jardins,pessoas que lhe dedicavam todas as atenções, tinha médico, remédios, comida boa, roupa de cama limpa, até alguns amigos havia conseguido fazer.Mas, não se sentia feliz, aquela casa não a sua casa,gostava de suas tralhas,suas velhas panelas,seu fogão onde tantas vezes   cozinhara para um verdadeiro batalhão de convidados. Queria tanto ter ficado entre a algazarra dos netos, muitas das vezes sendo motivo de piadas e brincadeiras, ela se sentia feliz, era a vovó querida e brincalhona. Nunca entendeu o porquê de ser retirada de sua casa e confinada num lugar distante, sem nenhuma visita, esquecida. Às vezes, à noite, costumava ficar a janela do quarto olhando para o infinito, tentando adivinhar o lugar onde morava. 

Ficava imaginando caminhar pela rua, ouvindo o barulho das ruas, sendo cumprimentada pelos vizinhos e amigos. Quando por fim o sono a obrigava, deitava-se e punha-se a rezar, pedindo a proteção a cada um de seus filhos, noras e netos. Em vão esperou pela visita de um filho, de um parente. Costumava, todos os dias perguntar para as enfermeiras se havia alguma visita para si, e a resposta era sempre a mesma: não, hoje ainda não apareceu ninguém. Fernando não tinha coragem sequer de levantar os olhos, e encarar o médico. O corpo todo parecia pesar toneladas, o peso do remorso, da vergonha de haver feito tudo daquela maneira, lhe dois muito. De que adiantaria agora chorar? Debater-se? Sua mãe já não estava mais ali, aquela doce velhinha que lhe acariciou tantas vezes o cabelo havia partido para nunca mais. Ali, ao pé da cama, junto aquela figura,aquele corpo inerte um filme começou a passar pela cabeça, viu-se ainda menino, adolescente, formando-se,casando-se, batizando os filhos e sempre , em todas as cenas lá estava a presença da mãe. 

E, justamente quando era ela que mais pedia a presença de algum dos seus filhos para matar a saudade viravam-lhe as costas, quando mais carecia de uma mão amiga que lhe acariciasse os fios de cabelos brancos todos lhe haviam abandonado. O choro agora era compulsivo, não queria consolo, queria chorar, precisava botar para fora toda aquela vergonha pelo tratamento dado a mãe. Como gostaria de que tudo fosse uma mentira,queria voltar atrás, anular as vaidades,a falta de amor,o descaso. Mas, agora era tarde ali a sua frente jazia apenas um corpo inerte, ainda que com um leve sorriso nos lábios. Com certeza, ela agora via-se diante de alguém que lhe estendia carinhosamente as mãos.


Um pai e uma mãe podem criar dez filhos. Porém, dificilmente  dez filhos não consigam entender  um pai e uma mãe. Reflita sobre isto, porque depois que eles partem, é para nunca mais.


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