sábado, 6 de abril de 2013

O Nono





A rotina sempre foi a mesma, pela manhã, banho tomado, traje leve, óculos escuros bengala como apoio e, lá vem ele, o Nono. Tornou-se personagem da praça em frente a casa onde mora, um ritual diário, até mesmo em dias de chuvisqueiro, quando então agrega aos seus pertences um clássico guarda-chuvas.Escolhe o banco desejado, senta,estica as pernas, crua as mãos sobre a barriga murcha, e fia admirando o movimento. Quase sempre recebe a companhia de alguma pessoa, seja para pedir informações,seja para bater papo. Parece ter um especial prazer por moças e senhoras, costuma torcer o nariz para aqueles velhos amigos aposentados que o procuram para falar sobre dores, doenças, remédios e até falecimentos de amigos. Para com estes faz cara de brabo, não costuma estender assuntos  parece ter pressa de encerrar o colóquio. Mas, como sexo oposto o Nono parece inebriar-se, realizar-se, é todo sorrisos, gentilezas, agrados. Lembro-me de uma oportunidade em que uma moça, tinha talvez vinte e poucos anos, passava pelo local e encantou-se com a figura simpática que lhe atirava um sorriso. Resolveu sentar-se ao seu lado e entabular conversa, então foi um rosário de historias, sobre família, amigos, e, principalmente amores vividos. Falou dos filhos, das dificuldades, do falecimento da esposa, e de sua vida de solidão. Gostava, nestas ocasiões, de contar o seu dia a dia, mas principalmente suas noites de solidão. Quase não podia ler, pois as vistas já não o ajudavam, muito pouco assistia televisão, pois como costumava dizer, São aparelhos do diabo. Então, costumava sentar junto a janela para observar os movimentos até a hora de recolher-se ao leito. A moça ouvia tudo com atenção, penalizada com aquele simpático velinho, como poderiam os familiares abandonar a própria sorte uma criatura tão meiga, tão amável. Propôs então que lhe faria algumas visitas. Um largo sorriso abriu-se no rosto do Nono. Nas visitas, quase sempre guloseimas, doces, agrados, é, é claro aqueles carinhos com aquelas mãos macias, aveludadas. Adorava sentir-se bajulado, ainda mais quando ela aparecia de saias curtas, que por vezes distraidamente deixavam à mostra as pernas lisas e roliças. Ela aproveitava a visita para arrumar um pouco a casa, limpava banheiro, até lavava algumas peças de roupa, arrumava a cama sempre desalinhada e depois sentavam ambos na sala como um casal normal, muito embora com uma diferença considerável de idade. Na despedida, um beijo no rosto, e a promessa de uma nova visita, um novo encontro no banco da pracinha. Aquilo era o céu, o Nono sentia-se realizado. Hã, por falar nisto desculpem, está na hora de pegar a minha bengala e ir até a praça. Ela deve chegar a qualquer momento, Fui.

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