terça-feira, 20 de agosto de 2013

Homenagem.




Este texto, escrito pelo amigo Walter Caetano, nos remete a um dos mais saudosos tempos da nossa cidade. Quando ainda era possível caminhar pelas ruas de chão batido,atolar-se no barro,mas  com paz,e um povo de coração gigante. É minha homenagem a este filho de Sapucaia que com seu trabalho, muito ajudou, e ainda ajuda na construção desta cidade.Não se trata de conto, ou estória, é HISTÓRIA mesmo;

PORQUE O GAÚCHO GRITA E EU NÃO USO BOMBACHA
O ano era um da década de sessenta. Dourado, diriam alguns. O lugar era uma Sapucaia bucólica que sobrevive apenas em nossa imaginação. Os adolescentes de minha época eram de um espírito puro, despido de todos os vícios com que o tempo, a luta e os arranhões e cicatrizes que a vida nos contaminaram. Um tempo em que não corríamos atrás da tal felicidade porque simplesmente éramos felizes. Éramos muito pobres mas felizes por desconhecer ainda as diferenças sociais. Não tínhamos inveja! Sem dinheiro para planos, o lazer aparecia no dia a dia na base do “qualquer chinoca me aquenta, qualquer prazer me diverte”. Nessa época fui tomado de encantos pelo tal de CTG. Sei que virei e mexi, como não tinha plata e muito menos guaiaca, recebi de uma alma caridosa uma pilcha mui velha, que minha mãe com carinho deixou-a como nova. O CTG que acolheu esta figura foi o Chilena de Prata que ficava na Rua Laurentino Juliano, próximo ao clube Paladino, quase em frente da barbearia do Avelino. O patrão vitalício era o seu Germano Cardoso, político e construtor. Eu só tinha olhos para as prendas, muitas prendas. Aproximava-se a semana Farroupilha e o espírito gauchesco se exacerbava . Para alegria geral veio a notícia de que faríamos parte do grandioso desfile comemorativo que reuniria o fantástico número de umas três agremiações (tudo era modesto naquela Sapucaia). Com este acontecimento surgiu a esperada chance de estrear com chave de ouro minha famosa pilcha. Dia vinte de setembro, logo após o meio-dia, botas rebrilhando de graxa, subimos em um caminhãozinho velho caracterizado. Tinha folhas de coqueiro. Tinha um gaiteiro. Tinha um borralho de fogo em cima de tijolos com uma trempe onde se pendurava uma chaleira preta ao lado de um pedaço de costela enfiado em um espeto de taquara. Deu-se o desfile na avenida, que naquele tempo era uma modesta faixinha de blocos de cimento emoldurados por duas calçadinha de pedra irregular e areia. Que tinha bastante gente prestigiando isso tinha! Para um povinho simples e pobre qualquer coisinha diferente era motivo de festa. O desfile transcorreu normalmente.
Chegando à sede do CTG nos atiramos em um belo carreteiro. A alegria do pobre apenas se completa com uma farta comilança. Após a comida iniciou-se um baita fandango e eu mais encantado com as prendas do que com qualquer glória ou herança farrapa. Lá pelas tantas entraram no salão umas figuras estranhas, se o politicamente correto permitisse eu diria uns negões com violão, cavaco e pandeiro. Não demorou muito para que se ouvisse, no salão, uma mistura de vanerão com sambas de breque. A mistura incômoda foi até um ponto em que revoltou a gauchada. Faziam parte de nossa invernada, e do meu rol de amigos pessoais os grandes bailarinos, internacionalmente conhecidos, o Alfeu e o Osvaldo, também conhecido por Tchê ou caquinho. Esqueci-me de dizer que para completar minha figura gauchesca usava uma faquinha, ordinária, prateada, que meu pai ganhou da firma por completar trezentos anos de bons serviços. O Alfeu chegou nos negões que tocavam animadamente e falou com toda a sutileza gaúcha:
- Se alguém tocar mais um dedo nesse cavaquinho, o pau vai comer!!!!!!
O negão fez plim no cavaco e levou um paf na orelha. O buchincho fedeu. Eram socos, pontapés e, nunca esqueço, um violão que se espatifava em uma cabeça cola fina. Eu subi em um pequeno coreto que havia e fiquei acalmando as prendas que nervosas agarravam-se à minha cintura. Estava faceiro como lambari de sanga! Mas o diabo... Percebendo que a briga ficava só na mão me veio à cabeça um modo de impressionar as gurias. Imaginando-me em uma coxilha prestes a uma batalha contra os pica-paus, desembainhei a faquinha e entrando no meio do fervo gritei:
-Vamos acabar com essa briga!!!!!!!! Pra que...... O menor facão que os negões desembainharam levou aproximadamente cinco minutos para concluir a tarefa. E o pior... Vieram todos para cima de mim. Olhei para os lados e não encontrei minha valentia. Tinha tomado doril. Meu senso de preservação me mandava correr e olhe que o trote de adrenalina é ligeiro mesmo. Corri aos berros até a avenida e percorri a avenida ainda com muita gente até minha casa que ficava no fundo do campo do Grupo da praça, Rua Tenente Ignácio. Eu gritando fantasiado de gaúcho viril com uma faquinha na mão e nos meus garrões um bando de negões enraivecidos, cada um com um facão maior que outro. Se abri o portão não sei, mas que entrei, isso entrei e me joguei para a salvação dos braços de meu pai e minha mãe. Corri mas sobrevivi. Passado o susto, refletindo sobre o ocorrido, eu disse a minha mãe que jamais voltaria a usar uma bombacha porque tinha desonrado a farda. Mantenho a promessa até hoje! 
Na época ficou-me o mesmo dilema de um valente gaúcho que após uma violenta refrega foi interpelado por seu comandante sobre uma mancha marrom na parte posterior da bombacha, ao que respondeu:
-Não sei, meu coronel, se me caguei de brabo ou estou brabo por que me caguei!!!!!!
                                          Walter Caetano/autor.

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