sexta-feira, 10 de agosto de 2012



Banhadeiros.
O termo identifica aquele que mora em zonas alagadiças, próximas aos banhados. Os banhados, se formam em zonas de topografia abaixo do nível dos rios, então quando das cheias, das enchentes costuma criar grandes lagoas. Algumas passados alguns dias costumam secar, outras com muito mais volume de água ficam formando desta maneira grandes banhados, com vegetação, flora e fauna peculiares, nos banhados dominam os aguapés. Pois é, sou um banhadeiro, ou melhor, fui um banhadeiro. Minha infância, foi em grande parte vivida a beira do Rio dos Sinos, morei por alguns anos na Rua Praia de Belas, aquela que margeia o rio pelo lado esquerdo, quem desce em direção a antiga fábrica de papel e papelão Justo, hoje PSA. 

Mas, antes de mudarmos para esta rua moramos por muitos anos na Coxília. Eram casas geminadas, pequenas, construídas ao fundo do banhado que limitava o pátio da Fábrica de papel. Normalmente, eram ocupadas por operários da própria fábrica. AS casas haviam sido construídas sobre uma pequena elevação no terreno de forma a que não fossem atingidas caso houvesse alguma enchente ou coisas do tipo. Mas, tanto pela  frente, como pelos fundos havia água, sendo que a parte dos fundos das casas era coberta de vegetação de Maricás. Na parte da frente havia a rua, de acesso, as casas. O imenso banhado de águas a frente das moradias era de águas limpas, ali se podia pescar principalmente muçuns, ou como também são conhecido peixes-cobra. 

Os brinquedos, deste tempo eram os carrinhos de madeira. Eu sempre fui disputado para fabricar os carrinhos. Como meu pai trabalhava na fábrica, justamente na confecção dos “batoques” ele seguidamente trazia para mim um estoque destas peças. Explico: Batoques, eram pequenas rodinhas de madeira que eram colocadas para dar forma e sustentação as bobinas de papel. Eram colocadas em um eixo, que girando ia formando a bobina até o peso normal. Depois se retirava o eixo e estas rodinhas mantinham a forma original. A madeira vinha do lixo, das caixas e embalagens que não eram aproveitadas pela fábrica, eu então recebia o pedido dos outros meninos, fabricava o caminhão, e o pagamento normalmente era feito em gibis, de mocinho muito apreciados na época. 

Naquela época o plástico era apenas uma novidade e muito pouco usado. Os brinquedos em sua maioria eram feitos em madeira e custavam caros. Então a solução para a maioria das crianças como eu que eram pobres era a construção dos seus brinquedos. Eu gostava daquelas artes. Os carrinhos começaram a ficar com mais detalhes, e quanto mais detalhes, mais “caros”, ou seja, mais gibis. O grande e imenso lago com as águas do banhado era usado, para brincar com barquinhos, também de madeira ou lata de azeite. As águas muito baixas e limpas não ofereciam grande risco, até porque da janela da casa podia-se cuidar o que estava se passando bem ali em frente. Às vezes, a brincadeira era interrompida e a gurizada debandava geral, amedrontados com a presença de um muçum, é que poucos de nos sabíamos como pegar aquele peixe. 

E,convenhamos a aparência não era nada de amigável, sua pesca era coisa para artista era um peixe grande,roliço e comprido. Tem uma carne muito saborosa. Este tipo de peixe vive em tocas, a beira do barranco,abaixo da água, então lança-se a linha com a isca alguns centímetro para dentro da toca e espera-se. De repente a linha começa a ser puxada para dentro, então é hora de segurar firme. Não se pode forçar a saída do bicho, sob pena de rebentar a boca, daí perde tudo. Com muita paciência, costuma-se retirá-lo depois de algumas horas. Ele se entrega pelo cansaço. Nestas alturas você deve estar pensando: Puxa, ficar segurando uma linha por varias horas para pegar um peixe? Acontece que normalmente se usa de um artifício. Pega-se uma vara de taquara, amarra-se ela vergada forçando para fora da toca, cada vez que o peixe afrouxa a linha ele vai sendo tirado. 

Quando já está com uma parte retirada pega-se com a mão e pronto. Foi neste cenário, de vila banhadeira que vi pela primeira vez uma pessoa morta na rua. Retornávamos da aula, e havia um aglomerado de pessoas junto a primeira casa, no chão, brigadiano ainda fardado, caído bem rente a porta da casa. Era amante da mulher, como havia sido repelido, sacou sua arma e atirou contra a própria cabeça. Podia-se notar a bala quase saindo pelo ouvido do lado oposto, ainda pingava o sangue. Nunca mais esqueci a cena,e olha que já se passaram sessenta e dois anos.

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